Vigésimo dia: Sai
de Ushuaia, Argentina por volta de 8:50h. e cheguei a San Sebastian, Argentina
por volta de 18:00h.
Primeiro dia da
volta ao lar.
15 de setembro
de 2014 – segunda-feira
Total até agora
= 7.266 Km
Total hoje = 306,1
Km
A noite estava
belíssima. Volta e meia acordava no meio da madrugada e olhava pela janela o
céu estrelado, muito bonito mesmo. Amanheceu um belo dia de sol sem nuvens e
resolvi aproveitar para sair cedo e passar pelo Paso Garinbaldi aproveitando o
bom tempo. Consegui sair do hotel as 8:50h. mas logo a seguir enfrentei pela
primeira vez nesta viagem uma grande fila de carros, para abastecer minha moto
no posto YPF dentro da cidade, de modo que, somente as 9:11h. pude pegar
estrada.
Passei pelos
arcos da cidade, com seu nome escrito de ambos os lados e para minha surpresa,
o tempo começou rapidamente a mudar. Poucos quilómetros após sair da cidade
começou a chover e depois a esfriar muito. Entre Ushuaia e Tolhuim são cerca de
100 quilómetros e cerca de uns 10 quilómetros após Ushuaia temos o Paso de
Garibaldi, lugar muito bonito e bem alto. Após a chuva, no caminho para o Paso
Garibaldi, vi algo belíssimo, o gelo era levado pelo vento por toda a pista
como se fumaça fosse, lembrava o vento forte soprando as areias da praia de Copacabana,
no Rio de Janeiro. Muito bonito mesmo. Começou a nevar e mal sabia eu que
estava me dirigindo para uma armadilha, o gelo negro.
Após uma
precipitação de água de chuva, estando muito frio, a água que cai na estrada
tende a se congelar, formando uma fina e praticamente invisível camada de gelo
sobre toda a pista e retirando qualquer possibilidade de aderência, isto é o
gelo negro. Após uma curva fechada em baixa velocidade conheci pessoalmente
este fenômeno, muito interessante e emocionante mesmo.
Ao fazer uma
curva fechada em baixa velocidade no passo de Garibaldi perdi completamente o
controle da moto seja para o que for e nem tentei coisa alguma, deixei
simplesmente que ela fosse para onde queria, afinal, eu nada podia fazer, não
havia aderência alguma na pista. A moto simplesmente se deitou. Enquanto a moto
ia ao chão, continuava eu na posição e atitude de pilotagem, sem frear ou fazer
qualquer outra coisa tola, foi aí que me ocorreu que não havia sentido algum em
eu cair junto com a moto, se ela queria ir para o chão que fosse, mas eu não
queria ir junto. Já tocando o chão, soltei suavemente as mãos do guidão e
fiquei para trás enquanto via a moto se afastar escorregando no gelo sem sequer
fazer outro barulho que não fosse o do seu possante motor de 1.600cc roncando
até apagar. Terminei ali, deitado de lado na pista exatamente na posição de
pilotagem, com os braços e pernas como se estivesse pilotando a moto na curva.
Por um tempo fiquei ali, vendo a moto se afastar, até que ela parou, neste momento
me levantei rapidamente para averiguar a situação. Tudo foi muito divertido, se
alguém quiser ter a mesma diversão, a receita é pilotar uma moto no gelo e na
chuva em altas altitudes e fazendo curvas fechadas, muito bom mesmo. Ainda bem
que não vinha atrás de mim algum caminhão carga pesada ou algum veículo leve imprudentemente
em grande velocidade, pois, o mesmo fenômeno que afetou a minha moto
provavelmente impediria o veículo de parar e poderia ocorrer um acidente grave
e danoso para mim e Pantera Vermelha, afinal, por mais divertido que possa ser,
não se deve ficar deitado em uma pista mão dupla com trânsito intenso e pesado
e logo após uma curva fechada.
Fui ajudado por
dois carros, cujos motoristas argentinos pararam para me auxiliar a levantar a
moto e leva-la para o acostamento coberto por neve. Quando levantamos a moto,
esta ficou direcionada no sentido contrário da via e foi extremamente difícil
retirar a moto dali, pois, sequer nós conseguíamos ficar em pé. As solas de
minhas botas não conseguiam qualquer tipo de aderência ou tração na pista e o
mesmo vale para os sapatos dos amigos argentinos. Foi preciso colocar a moto em
ponto morto para em seguida liga-la novamente e engatar a primeira para todos
juntos conseguirmos leva-la para o acostamento. Demos muita sorte que houve um
grande intervalo de tempo entre a passagem de outro veículo vindo no mesmo
sentido de minha moto, se não, poderia haver uma colisão com a moto parada na
pista.
Mais um
motorista parou, e abrindo sua mala, retirou uma lata aerossol de um produto
que passou em meus pneus dizendo que agora eu podia pegar a pista que teria
aderência novamente e me deu de presente a lata. Confesso que não acreditei
muito na eficácia do tal produto a base de silicone, mas não é que o dito cujo
funciona mesmo?
A calça de minha
capa de chuva ficou com alguns buracos, dará para terminar a viagem, mas depois
terei de comprar outra. Nada ocorreu fisicamente comigo e a Pantera Vermelha
parece que sofreu danos mínimos, pelo que pude constatar, soltou um enfeite
cromado ao final do paralamas dianteiro e o mesmo enfeite no paralamas traseiro
precisará ser trocado, mas este já estava rachado antes, só ficou um pouco pior
e talvez a pedaleira direita tenha sido um pouco afetada em relação ao seu
posicionamento, nada muito sério. Engraçado que ambos retrovisores ficaram para
dentro, depois tive que regular e ajustar os mesmos na posição que me agrada
mais.
Pois muito bem,
peguei a moto e a coloquei novamente na pista e para minha surpresa, o tal
produto funcionou mesmo, proporcionando total aderência. Mantive a velocidade
bem baixa e tentei sair dali. Pouco a frente, começou uma tempestade de granizo
que batia com força em meu capacete, durou bastante e fui substituída por
fortes rajadas de gelo e neve. A nevasca só piorava e o chão rapidamente
acumulou cerca de quatro dedos de altura de neve na pista, tornado impraticável
a pilotagem em duas rodas. Com as rodas cobertas pela neve, sem aderência, não
adiantava acelerar, frear ou parar, pois, a moto fazia o que bem entendia, e
neste particular, era continuar em frente indo para o acostamento e querendo
tombar. A muito custo coloquei a moto estacionada no descanso no acostamento
branco, coberto de neve, e resolvi aguardar em meio a nevasca. Engraçado que
meu banco ficou cheio de pequenas pedras de gelo enquanto eu ficava em pé do
lado da moto. Muito legal mesmo ver esta quantidade de pedras de gelo enchendo
todo o meu banco, uma experiência única mesmo, a qual sou muito grato, pois,
nunca tinha visto nada igual.
Poucos minutos
depois um carro da polícia de vias, azul e branco com luzes no teto, se
aproximou de mim pelo mesmo sentido da via em que eu estava, acenei para eles e
quando pararam expliquei o problema. Me proporam levar a moto pouco mais de um
quilómetro à frente para um posto da polícia da província, mas expliquei que a
moto não mais me obedecia e que não conseguia coloca-la em movimento no sentido
por mim desejado. Ajudaram-me bastante, por várias vezes saindo do carro para
ajudar-me a apoiar a moto, quando esta queria tombar em meio a nevasca forte.
Mais andando sentado na moto do que propriamente pilotando, com muita
dificuldade e muito lentamente, aos poucos a missão impossível de levar a moto
até o posto policial foi se concretizando.
Já no posto da
polícia da província, o policial Daniel que lá estava me serviu uma grande e
bela xícara de café quente e ficou conversando comigo enquanto víamos tv até
cerca de 14 horas, quando a pista começou a ficar limpa, se bem que molhada, e
eu resolvi arriscar dar prosseguimento a viagem.
Não peguei mais
gelo ou neve, mas nos cerca de 250 quilómetros restantes peguei chuva, sol
forte, ventos extremamente intensos e constantes, também rajadas repentinas de
vento, sol forte novamente, novas chuvas e por aí em diante. Como falou uma das
senhoras do hotel onde me hospedei em San Sebastian: as quatro estações em um
dia somente.
Este povo
argentino é muito amável, prestativo e em diversas ocasiões as pessoas que
encontrei se prontificaram em fazer tudo que fosse possível para que minha
estada em seu país fosse a melhor possível, me ajudando a solucionar qualquer
tipo de problema e me dando de presente coisas importantes para o
prosseguimento da viagem, como foi o caso do mapa rodoviário e do spray antiderrapante.
Só tenho a agradecer a este belo povo. Os argentinos, bem como as argentinas, têm
me tratado muito bem em minha estada em seu país.
Ao chegar a San
Sebastian, me hospedei no mesmo hotel onde já tinha ficado no caminho de ida e
onde fui muito bem tratado. Aproveitei para contar a minha história de hoje e
também digitar a mesma no notebook em uma das mesas do restaurante, onde também
almocei / jantei por volta de 20 horas, um bife a milanesa com ovos estalados e
batata frita, acompanhado por uma bandeja com pães, uma boa refeição.
Um dia
emocionante e divertido. Amanhã prosseguirei a viagem e terei mais um trecho
difícil, que será o rípio no Chile. Torço para que corra tudo bem e não haja
qualquer acidente. Amanhã, chegando a Rio Gallegos, estarei em uma posição onde
as situações mais difíceis que ainda terei de enfrentar serão a possibilidade
de fortes ventos e também chuvas no decorrer da viagem.
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